A pensar alto

A garota no metro.

Hoje quando voltava para casa, no metro, uma garota sentou-se na minha frente. Notei a sua presença porque estava vestida com um vestido comprido preto e bordeaux, e um Hijab a cobrir-lhe a cabeça, também ele preto.

Não sei porque, mas por uns minutos fiquei a observar esta figura tão diferente e dei por mim a pensar o que leva alguém a vestir-se daquela forma. Será uma questão religiosa? E que religião é? Ou será apenas algo cultural e pessoal? As perguntas continuaram na minha cabeça: De onde será que ela vem? Parece ter a minha idade ou talvez mais nova. Será estudante? Será que se veste assim porque o pai a obriga?

De repente percebi que tinha um telemóvel e estava a ouvir musica e pensei novamente que era estanho uma pessoa assim vestida (como se vivesse numa outra época sei lá) estar a ouvir música. Era como se dois mundos totalmente diferentes co-habitassem na mesma pessoa. Os pensamentos continuaram e a minha mente imaginava que tipo de música ela ouvia. Se era estudante ou se voltava do trabalho. Se se sentia deslocada num pais que não é o dela, onde a religião não tem tanto peso no modo de vida da sociedade, ou se ela havia nascido e crescido em Lisboa. Imaginei se tinha as mesmas liberdades que eu e se sequer as queria ter ou simplesmente aquela era a sua forma de viver e estava super feliz e confortável.

Também pensava em como devia ser horrível ter de usar tanta roupa no meio do verão de Lisboa, onde às vezes fazem 40ºC… mas mais uma vez, será que ela se importa? Ou isto são apenas problemas de primeiro mundo, de uma pessoa que nada sabe sobre ela e sobre a religião ou cultura dela?

Tempos atrás conheci uma garota árabe e o marido: viviam na Holanda e estavam em lua de mel em Lisboa. Escolheram a empresa de turismo onde eu trabalhava em part-time de verão para um passeio por Sintra. Fui a guia turística deles e durante a visita ao café mais famoso de lá. Tomei coragem e perguntei-lhe se usava o “lenço” por opção ou se era algo que o marido ou o pai lhe impunham, principalmente porque ao contrário da menina de hoje, ela usava roupas “ocidentais”. Ela riu-se, olhou para o marido e disse:

“Ele não me impõe nada, nem o meu pai. Uso simplesmente porque é um símbolo da minha fé”.
Ainda sorrindo, ela explicou-me o significado do Hijab: “As mulheres são como diamantes ou pedras preciosas. Não devem ser expostas a todo o mundo. Na minha religião acreditamos que o cabelo das mulheres é o seu bem mais precioso e a fonte da sua beleza, e por isso deve ser preservado do mundo e visto apenas pelas pessoas que lhe querem bem. Sim, o meu marido vê-me todos os dias sem ele e comprova que tenho cabelo”. Ele ria e olhava para ela apaixonado.

Até hoje nunca os esqueci. Não me lembro dos nomes, mas lembro-me de achar que ela era linda e como ficava bonita mesmo com o cabelo coberto.

Então porque é que a moça de hoje me causou tanta estranheza? Talvez porque senti que ao contrário da outra, uma mulher bem sucedida, inteligente e livre, ela estava presa. Presa em peças de vestuário que não escolheu. Presa numa religião e cultura opressora das mulheres. Ou não. Talvez eu é que esteja presa no preconceito, mas isso nunca saberei.

Talvez na próxima eu deva criar coragem e começar uma conversa, se der sorte eu posso até estar errada 🙂

– Marisa

8 opiniões sobre “A garota no metro.”

  1. Eu adorei seu ponto de vista. Não vejo como preconceito nem julgamento, apenas como alguém que não conhece bem a cultura, assim como eu e muita gente, e precisa ouvir e ver mais sobre aquilo. Eu também falaria com a moça, para primeiramente ver a forma como ela fala, se ela está confortável com a conversa e com toda a situação que vive. Acho que vai fazer bem a ela e a voce essa conversa. Beijinhos, Marisa ❤ Ja estou esperando a parte 2 hahaha

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    1. Hahaha na verdade essa conversa nunca vai acontecer já que este encontro foi aleatório e ocasional. Duvido que volte a vê-la 😅 este post foi apenas uma reflexão aleatória XD mas fico feliz que ce tenha gostado ❤️

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  2. Eu ja tive uma experiencia parecida com essa. Eu tinha ido pro almoço uma vez, e enquanto eu tava la comendo meu burger king de boas, vejo uma mãe e uma filha pequena indo no burgerking. A mae, vestida da cabeça aos pes de preto, cobrindo rosto e cabeça, so os olhos e parte do nariz expostos. A filha, por sua vez, vestida normalmente como qualquer criança. Tu para e ve isso, e tu nao quer tirar conclusoes ignorantes, mas ao mesmo tempo tu nao deixa de pensar coisas tipo “sera que a religiao/cultura dela eh tao rigida assim? Como sera que ela come sem sujar o veu? A menininha sabe que vai ter que se vestir assim quando crescer? Sera que a menina nao vai ser criada assim?”
    Um exemplo legal que eu tenho a respeito desse tipo de coisa eh o quadrinho da Ms Marvel da Kamala Khan. Nas primeiras historias, somos apresentados a Kamala, uma jovem muçulmana americana, que nao se cobre e vive como uma garota americana com pais muçulmanos que vieram para a america para oferecer tudo de melhor que pudessem pra filha. E o irmao mais velho de Kamala, muçulmano tradicionalista, vivia causando ‘cringe’ no proprio pai porque o pai acha que ele nao devia ser tao tradicionalista. E apesar disso, Kamala e o irmao sempre sao demonstrados como bons irmaos independente dessa sutil diferença em como vivem como pessoas muçulmanas. Kamala tem orientaçao espiritual da sua religiao, mas ate o lider religioso age de maneira compreensiva com as duvidas que Kamala tem sob sua posiçao como menina muçulmana americana. O quadrinho pra mim eh uma das melhores representaçoes da cultura muçulmana, nao demonizando nenhum aspecto pro ou contra.
    (desculpa a falta de acentuaçao decente, problemas com o teclado XD)

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  3. “Talvez porque senti que ao contrário da outra, uma mulher bem sucedida, inteligente e livre, ela estava presa.” – Por que você pensou isso? você nem sequer falou com ela. Eu gostei da resposta daquela mulher com a qual você conversou: pra ela o hijab é um símbolo de sua fé, não de opressão (como as feministas adoram classificar); eu tenho certeza de que se você tivesse conversado com essa garota do metrô, você provavelmente teria chegado a outra conclusão. Já parou pra pensar que o fato de você associar automaticamente Hijab a opressão não seja fruto de anos de um discurso (quase uma lavagem cerebral) feminista, que você como uma mulher europeia, ouve todos os dias, praticamente desde que nasceu?

    Eu gostei do que aquela outra mulher te disse: as mulheres são como pedras preciosas ou diamantes: não devem ser expostas a todo mundo. Essa frase me fez ter curiosidade em saber mais sobre a religião dela.

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    1. No final do post eu chego na conclusão que talvez os meus pensamentos sejam apenas preconceitos, justamente pelo que você falou de que o ocidente sempre vê as culturas Árabes como opressoras das mulheres – E não podemos negar que o são, sinto muito.
      Além disso, a diferença entre as duas mulheres está na forma como se vestiam. Enquanto a do metro estava totalmente de preto, que por si só já é uma cor que remete a opressão por ser tão pesada, e porque ela estava toda coberta, enquanto que a outra que conheci antes usava, tal como eu disse, roupas ocidentais e cores alegres. Lembro perfeitamente que os Hijabs dela era de cores claras, um rosa e outro meio azulado. E as roupas eram de verão com cores e nada de preto.

      Sobre a questão do feminismo… sinto muito, mas não vou discutir isso aqui, porque pela forma que o tema já foi abordado no comentário, já vi que será uma discussão sem frutos.

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      1. Você acha que se ela fosse realmente oprimida — pelo menos no nível que você estava imaginando — seria permitido a ela sair de casa sozinha ou ter um celular? você definitivamente não sabe o que é opressão! afinal de contas, você nasceu e cresceu no paraíso; eu fico imaginando o que deve significar “opressão” para alguém como você: provavelmente um copo de café com leite derramado, no máximo! Sobre o fato de ela usar roupas que não estão de acordo com o que se usa no ocidente, aqui está outro ponto de vista (que não apela para a opressão): sim, ela atualmente está na Europa, um lugar onde ela pode se vestir como quiser e com o que quiser, mas, ela OPTOU por continuar usando as suas roupas tradicionais, do modo como SEMPRE usou, em outras palavras: ela está na Europa, mas não quis adotar o estilo europeu de se vestir, enfim, nunca houve relação alguma com opressão, afinal não é só na Europa que se vive livremente.

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      2. Me fala, então, sobre como você tem legitimidade para falar sobre o que é opressão. Parece que você passou por isso pela maneira como escreve.

        Felizmente eu nunca passei por algo assim, mas também nunca vivi no paraíso que você fala e não sou menina rica nem mimada como parece que me imagina.

        O facto de ela estar na Europa onde podem vestir o que quiser não significa que ela o possa fazer. O meu ponto era apenas uma interrogação sobre o facto de ela se vestir assim porque quer ou porque é obrigada por crença ou cultura.

        Se você tivesse se dado ao trabalho de ler até ao final percebia que eu mesma me questiono se tudo o que pensei não são apenas preconceitos na minha cabeça, mas infelizmente parece que hoje em dia o povo já fica preso numa parte mais polêmica e esquece do resto.

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